Cadernos de Pesquisa - Volume 9 - número 22 - page 82

A microfísica dos... -
Kelin Valeirão e Avelino da Rosa Oliveira
82
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.79-94
maio
/
ago
. 2014.
Disponível em <
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A
modernidade
e
a
invenção
da
escola
Comenius (1592–1670)
4
, em sua célebre
Didática Magna,
propugnava a imprescindibilidade do disciplinamento educativo ao
afirmar que “a todos aqueles que nasceram homens é necessária
a educação, porque é necessário que sejam homens, não animais
ferozes, nem animais brutos, nem troncos inertes.” (COMÉNIO,
1957, p.125). A visão de educação introduzidana escola moderna,
ademais do ideal de ensinar tudo a todos,é de que todo o ser humano
é capaz de ser educado, por isso considera obrigatória a instrução.
Na perspectiva comeniana, é inaceitável que alguém não passe pelo
processo de escolarização, uma vez que entende o ser humano como
educável por natureza.
Partindo do pressuposto da educabilidade humana, é mister
instituir na escola pedagogias corretivas que deem conta dos
“ineptos”, que não se enquadram no padrão de normalização imposto.
As pedagogias corretivas partem do princípio de que toda criança
é um selvagem que precisa ser corrigido e docilizado, considerando
bom selvagem
5
aquele que está apto a aprender, levando em conta
sua natureza educável. A correção já não ocorre por meio de
violência, torna-se indireta, deslocando-se para a organização do
meio, já que propugna uma ação educacional ativa e criativa, que
respeita o desenvolvimento infantil e opera a partir da subjetividade.
A regulação e o controle exercidos por essas pedagogias tornam clara
a tentativa de homogeneização das classes escolares, uma vez que
os sujeitos passam a buscar,por meio do autogoverno, o modelo de
normalidade que são estimulados a atingir.
4 Comenius é a forma latina do nome checo (Jan Amos) Komenský. Comenius foi um
bispo protestante, pertencente à seita Unidade de Irmãos Moravos. Embora tendo sido
influenciado por autores representantes do mais avançado luteranismo alemão, não era
completamente de acordo com todas as suas teses: absorveu do luteranismo a consciência
quanto à necessidade de reformar profundamente o ensino, no entanto, divergia no tocante
às suas soluções políticas, bem como em relação a seu profundo pessimismo quanto à
natureza humana. Imbuído de um ideal do tipo pansófico, é considerado o fundador da
Didática Moderna e um dos maiores educadores do século XVII.
5 A expressão “bom selvagem”, aqui empregada, distancia-se da concepção corrente entre
os estudiosos de Rousseau para quem o bom selvagem é o indivíduo ainda naturalmente
livre das obrigações civis, às quais, cedo ou tarde, terá de submeter-se. O selvagem de
Rousseau é dotado de características essencialmente positivas e possui módicas necessidades.
Sua educação para a civilidade deve ser retardada o mais possível uma vez que o estado
civil há de lhe trazer inúmeros infortúnios.
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