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A microfísica dos... -
Kelin Valeirão e Avelino da Rosa Oliveira
C
adernos
de
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esquisa
: P
ensamento
E
ducacional
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uritiba
,
v
. 9,
n
. 22,
p
.79-94
maio
/
ago
. 2014.
Disponível em <
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escola age como dispositivo para instituir o que pode ser dito,
feito ou pensado. Segundo Foucault (1995), resulta também das
disposições disciplinares o sujeito ser dividido no seu interior
e em relação aos outros. Nessa perspectiva, o processo de
disciplinarização transmitido pelas escolas objetiva assegurar a
ordenação das multiplicidades humanas.
No seu estudo genealógico,ao tratar do nascimento das
sociedades disciplinaresnos séculos XVII e XVIII, Foucault
demonstra as profundas conexões dos saberes (especialmente
aqueles das ciências humanas) com o poder;nesse mesmo
contexto, argumenta que as disciplinas estão ligadas aos regimes
de verdade, ou seja, as disciplinas não apenas engendram
determinadas maneiras de perceber o mundo e de atuar sobre ele,
mas, sobretudo, separam o que é considerado verdadeiro daquilo
que não o é.O objetivo do poder disciplinar não é apropriar-se
violentamente de um corpo para dele extrair energia, afeto,
submissão e trabalho, mas é, sim, adestrá-lo, tornando-o dócil
e útil para o corpo social. Logo, o poder disciplinar faz de uma
punição uma ação racional, calculada e, por isso, econômica.
A escola, máquina de governamentalidade, constitui-se em
um espaço de governo da alma dos sujeitos, operando a partir de
sua subjetividade, amparadano poder que a sustenta. As teorias
psicológicas, fortemente presentes na escola, administram e
governam a alma das crianças de uma forma aparentemente
livre, mas que não a separa das mais profundas relações de poder.
Além disso, a escola foi inventada para disciplinar e governar os
sujeitos modernos, dispensando o uso da violência, valendo-se de
métodos sutis de persuasão, que agem de forma indireta sobre
suas escolhas, seus desejos e sua conduta, deixando o sujeito
“livre para escolher”, mesmo que constantemente envolvido por
normas que o aprisionam à própria consciência.
Como sabemos, a partir do século XVII, a escola constituiu-
se como a mais eficiente maquinaria encarregada de fabricar
as subjetividades. Hoje, no entanto, boa parte da subjetividade
operada
na
e
pela
escola deslocou-se para o espaço social mais
amplo ou, mesmo ainda ocorrendo no espaço escolar, deixou
de contar com aquele tipo de poder e aquelas práticas (ou
tecnologias) para a fabricação de sujeitos. Convém, pois, que
acompanhemos mais atentamente esse deslocamento.