A microfísica dos... -
Kelin Valeirão e Avelino da Rosa Oliveira
90
C
adernos
de
P
esquisa
: P
ensamento
E
ducacional
, C
uritiba
,
v
. 9,
n
. 22,
p
.79-94
maio
/
ago
. 2014.
Disponível em <
>
por máquinas simples, representadas por alavancas, roldanas e,
no máximo, relógios de operação mecânica. Mais recentemente,
as sociedades disciplinares modernas eram caracterizadas pelas
máquinas energéticas, as quais contavam com dupla ameaça: a
passiva, da entropia e a ativa, da sabotagem. Contemporaneamente,
na passagem das sociedades disciplinares para as de controle,
observou-se a operação de uma terceira modalidade de máquinas:
os computadores e seus derivados informáticos. Para essa espécie
contemporânea de máquinas, a ameaça passiva é a interferência,
enquanto a pirataria e a proliferação de vírus representam sua ameaça
ativa. Importa, entretanto, sublinhar que tal sucessão histórica de tipos
de máquinas não pode ser compreendida unicamente como evolução
tecnológica, Observada mais profundamente, trata-se, isto sim, de
uma mutação do próprio capitalismo.
A crise, portanto, das instituições constituídas na modernidade,
ou seja, esse deslocamento da sociedade disciplinar para a sociedade
de controle está associado às modificações do modelo social amplo.
Na primeira metade do século XX, de forma bastante geral, é possível
identificar três experiências de governo relativamente inéditas: o
nazismo, o socialismo de Estado e o Estado de Bem Estar. Esses três
modelos, de acordo com Veiga-Neto (2000, p.194), “representavam
uma inflação dos aparelhos governamentais destinados à planificação,
condução e controle da Economia.” A partir da constatação de que
haveria um excesso de governo, o velho liberalismo busca reconfigurar-
se e acaba por transmutar no que, a despeito de pequenas diferenças
de matiz, passou a ser designado como neoliberalismo.
Nesse novo período, ainda conforme Veiga-Neto (2000, p.197),
“o consumidor não é mais visto como, originalmente, um
Homo
oeconomicus
, mas é visto como um
Homo manipulabilis
”, ou seja, ele
não tem mais um
a priori
econômico, comportando-se de diferentes
formas no mundo. Nessa lógica neoliberal, o Estado apresenta
uma nova governamentalidade, uma nova maneira de conduzir a
conduta das pessoas, assumindo a postura de uma grande empresa
econômica que objetiva a maximização da liberdade individual.
Constata-se, portanto, que a sociedade neoliberal resgata e (re)
integra os velhos dispositivos disciplinares, implicando uma lógica
de guerra, mesmo em tempos de paz, uma vez que “não estamos
sendo mais confrontados por restos de sociedades tradicionais
que deveriam continuar sendo modernizadas, mas por verdadeiros