Cadernos de Pesquisa - Volume 9 - número 22 - page 99

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Educação, filosofia... -
Belkis S. Bandeira e Neiva A. Oliveira
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. 2014.
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a produzir um discurso no qual os interlocutores mais emudecem
do que falam. Sua função passa a ser meramente descritiva ou
classificatória
7
. Adorno no aforismo 90 de Mínima Moralia (2008)
refere-se à escola enquanto um “asilo de surdos-mudos”, pois
adestra as pessoas na fala, assim como nos primeiros socorros ou
na construção de objetos, tornando-as cada vez mais mudas. “No
sistema abarcador a fala se converte em ventriloquia. Cada um é
seu ventríloquo. No conjunto, as palavras se igualam às fórmulas
que outrora eram reservadas para o cumprimento e a despedida.”
( p. 133)
Neste modelo, os indivíduos são educados para aumentar seu
valor no mercado e não para compreender o mundo em que vivem,
pois os conhecimentos não possuem um quadro de referência para
lhe dar sentido, não se relacionando com a própria história humana,
que deveria lhes referenciar e apontar seus objetivos no mundo,
qual seja, a realidade sócio-histórico concreta, como diz Marx em
suas teses sobre Feuerbach, como atividade humana, sensível, como
práxis.
(MARX, 2010, p.117-118)
O caminho do negativo, que caracterizou o que Adorno entendia
como arte autêntica, pela sua negação aos modelos vigentes, pode
se constituir numa brecha na tentativa de preservar a percepção dos
sentidos embotados pela excitação ininterrupta da mídia, com intuito
de resgatar resquícios da experiência danificada. A arte, de alguma
maneira, sempre prenunciou este caminho, enquanto provocação
para sentir o que não é dito de forma explícita na perspectiva
racional, mas encontra ecos em regiões abissais do humano. “Se
não fosse pelo temor em ser interpretado equivocadamente como
sentimental, eu diria que para haver formação cultural se requer
amor; e o defeito certamente se refere à capacidade de amar.”
(ADORNO, 2003a. p.64)
A educação, à maneira da arte, pode explorar caminhos no
sentido de despertar, no interior de cada indivíduo, uma região
ainda não domesticada pelos modelos incutidos pela falsa cultura e,
assim, quem sabe, poderemos falar de formação humana, ou ainda,
do humano, buscando na filosofia adorniana, elementos de ruptura
com o modelo formativo vigente.
7 Apenas para citar um exemplo disto, referimos uma questão candente nas discussões acerca
dos problemas que afligem às escolas hoje, que é o problema da violência: a tendência
de, muitas vezes, classificar como bullying, subtrai do fenômeno seus componentes sociais
substituindo pela responsabilização do indivíduo neste processo.
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