Cadernos de Pesquisa - Volume 9 - número 22 - page 62

Na contramão das atuais correntes... -
Hans-Georg Fickinger
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. 2014.
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ouvinte algo supostamente verdadeiro. Pelo contrário, seu método
é levar os sabidos interlocutores a, por reflexão própria e esforçada
como um processo de parto, dar-se conta do equívoco de seu suposto
saber, trazendo à luz a verdade ocultada até aí. Sócrates alcança
esse efeito mediante um jogo de perguntas e respostas, no qual a
pergunta abre o horizonte de um saber que se descobre e arranca
ao espírito como a embrião formado e amadurecido no seu ventre.
É na pergunta, portanto, não na resposta, que o saber se anuncia
e será auscultando-a, que os interlocutores descobrirão seus erros,
aprendendo a corrigi-los. Essa primazia da pergunta em relação
às respostas desloca a expectativa do conhecimento a um espaço
de reflexão, que abandona a postura unilateral (de um saber que
pertence ao professor) e integra o outro – educador/educando –
como a dois lutadores enlaçados na liça. Não o vencido, apenas,
porque ambos aprendem. O vencedor também, que se alarga no
repto, sai igualmente transformado e de algum modo enriquecido.
O processo do ensino/aprendizado enovela ambas perspectivas, de
modo que, se acontece de fato essa emersão misteriosa de um saber
à consciência, isto se dá dos dois lados e ambos já compreenderam
o sentido profundo do ensinar e do aprender. Não foi também
Guimarães Rosa, quem disse só ser ‘mestre’ aquele que, de repente,
aprende?
12
Pois é.
O caráter endógeno dos resultados do processo de ensino/
aprendizagem encontra-se também no segundo conceito-chave da
reflexão filosófico-pedagógica. Isto é, no conceito de um
não-saber
.
Seria equivocado interpretar o formulação socrática do saber – o
famoso
sei que nada sei
– como confissão de ignorância. Poderíamos
interpretar a ideia por trás dessa formulação como a dialética
existente entre o saber e o
não-saber
. Longe de fazer do não-saber o
saber verdadeiro, Sócrates toma o saber do não-saber como impulso
intrínseco à busca da verdade. Trata-se da destronização do saber
afirmativo, que dá início à reflexão de quão instável é qualquer
postura definitiva ou apodítica. Tal como acontece em relação à
indicada primazia da pergunta em relação à resposta, o conceito de
não-saber
torna-se, aqui, o motor de uma reflexão que não conhece
repouso, porque se sabe inevitavelmente contaminada pelo vírus do
erro. Proíbe-se, assim, a reivindicação da última palavra. E pode-se,
12 Uma referência indicada por Muriel Maia-Flickinger, a quem agradeço também pela
revisão final deste meu texto.
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