Ética e estética: confrontos.. -
Robson Loureiro
et al.
146
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n
. 22,
p
.131-154
maio
/
ago
. 2014.
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fragmentada, posto que os instantes são igualmente autonomizados
pelo choque.
A estética do choque está igualmente presente na figura
alegórica do jogador. O jogador está para a modernidade da
mesma forma que o gladiador estava para o Império Romano. Por
isso, a despeito de não se imiscuir entre os jogadores, Baudelaire
inevitavelmente observa à distância o entusiasmo desses pelas
apostas. O que os motiva a jogar não pode ser descrito propriamente
como desejo, apesar de estar, indubitavelmente, “imbuído de avidez,
de uma determinação obscura” (BENJAMIN, 1989, p. 128).
O cultivo de um desejo ao longo do tempo está, em oposição à
avidez dos jogadores, integrado à categoria de experiência. A estrela
cadente que se projeta no céu distante é símbolo dessa distância
temporal entre o desejo e a realização do mesmo como “coroamento
da experiência”. Não obstante, “A bolinha de marfim rolando para a
próxima casa numerada, a próxima carta em cima de todas as outras,
é a verdadeira antítese da estrela cadente” (BENJAMIN, 1989, p.
128).
Mediante a alegoria do flâneur, do jogador e da própria cidade,
Benjamin assinala uma transformação na sensibilidade advinda com
a modernidade: a substituição do desejo duradouro e persistente pelos
pequenos desejos transitórios, que talvez nem mesmo devessem se
chamar desejos e sim avidez. Sua solidão e sua pobreza de experiência
é o que impede o homem moderno de se apropriar da cultura e a ela
vincular-se. Por conseguinte, torna-se suscetível a preferir os estímulos
sensoriais trazidos pelas multidões. A percepção fragmentada se coloca
como intimamente relacionada a um desejo fragmentado.
Benjamin também demonstra que pobreza de experiência e
estética do choque poderiam se coadunar facilmente à fetichização
da mercadoria. Essa categoria marxiana engloba efetivamente um
aspecto que é similar ao da avidez do jogador. O fetichismo concede
à mercadoria atributos que não lhe pertencem efetivamente como
valor de uso, produzindo no consumidor desejos e necessidades de
outra forma inexistentes. A sensibilidade moldada pelo capital torna
os homens subservientes ao princípio de troca, segundo o qual os
desejos são permutáveis de acordo com os estímulos novidadeiros do
mercado – novidades que, como já vimos, só o são na aparência, posto
que precisam convencer os clientes a comprar novos produtos, ainda
que esses não representem uma novidade qualitativa.