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Experiência e vida danificada... -
Franciele Bete Petry
et al.
C
adernos
de
P
esquisa
: P
ensamento
E
ducacional
, C
uritiba
,
v
. 9,
n
. 22,
p
.109-130
maio
/
ago
. 2014.
Disponível em <
>
(
Körper
) não pode mais ser reconvertido em corpo vivo (
Leib
), como
prega de modo regressivo certa tradição vitalista e romântica, cuja
representação contemporânea pode ser encontrada nos campos
de nudismo e na sedução de várias terapias alternativas. Sua
reconversão seria impossível, porque a reificação do corpo, sua
transformação em algo de morto, foi parte do processo perene
que transformou a natureza em matéria bruta, em material. A
própria linguagem estaria entronizada com a cadaverização do
corpo: “ela [a linguagem] transformou o passeio em movimento
e os alimentos em calorias, de maneira análoga à designação da
floresta viva [
lebendige Wald
] na língua inglesa e francesa pelo
mesmo nome que significa também ‘madeira’ [
Holz
].” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 219).
Assim, a impossibilidade da experiência acaba por ser também
uma ausência de expressão, do acesso ao corpo por meio da linguagem
e da própria história, pois tampouco a memória e a narração são
conservadas nesse processo de danificação da subjetividade. É nesse
sentido que se pode compreender o conceito de “experiência” que
aparece em
Teoria da Semiformação
, de Adorno:
... continuidade da consciência em que perdura
o ainda não existente e em que o exercício e a
associação fundamentam uma tradição no indivíduo
– fica substituída por um estado informativo pontual,
desconectado, intercambiável e efêmero, e que se
sabe ficará borrado no próximo instante por outras
informações. (ADORNO, 1996, p. 405).
Percebe-se, comela, que a guerra interrompe o desenvolvimento
de um processo em que a consciência do indivíduo pode elaborar
as impressões sensíveis no decorrer de um tempo e inseri-las em
um determinado contexto a fim de adquirirem um significado para
ele. Realizar experiências requer a realização de um trabalho sobre
as rememorações, que aquilo que fora vivido e que é recordado
possa ser expresso, comunicado, que tenha valor diante de uma
vida concebida continuamente. No entanto, a guerra, dado o seu
próprio funcionamento, restringe o indivíduo a uma situação de
momentos isolados uns dos outros e, por isso, não passíveis de
uma unidade.