Cadernos de Pesquisa - Volume 9 - número 22 - page 122

Experiência e vida danificada... -
Franciele Bete Petry
et al.
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.109-130
maio
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. 2014.
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ter algo especial a dizer, e justamente isso é impedido
pelo mundo administrado, pela estandardização e pela
mesmice. (ADORNO, 2003, p. 56).
4. E
xperiência
,
tempo
livre
,
apatia
O que era necessário para a própria narrativa, nos marcos de
uma forma artesanal de trabalho, desaparece com o surgimento da
indústria. O trabalho mecânico que sujeita o indivíduo à repetição
faz do tempo livre uma busca por diversão e relaxamento. O tédio
tem um duplo caráter: por um lado, surge em decorrência dessa
forma de trabalho que frustra o indivíduo e deve ser amenizada pelas
atividades e produtos de diversão, dentre eles, aqueles oferecidos
pela indústria cultural. Nesse sentido, ele é algo ruim, que deveria
ser superado pela satisfação concreta. Por outro lado, o tédio é
negado também como ideologia, pois ele é uma das condições para
se realizar experiências. Mas na medida em que um tempo ocioso não
é livre para a maioria dos indivíduos, estimular o tédio aparece como
ofensa e revelação das desigualdades que existem na sociedade.
Para Adorno, “todas as pessoas têm necessariamente algum projeto.
O tempo de lazer exige que se o esgote. Ele é planejado, utilizado
para que se empreenda alguma coisa, preenchido com visitas a toda
espécie de espetáculo, ou ainda apenas como locomoções tão rápidas
quanto possível” (ADORNO, 1993, p. 121), ou seja, disseminou-se
a ideia de que não deve haver ninguém com falta de ocupação,
tampouco um estado de quietude para que atividades intelectuais ou
estéticas, por exemplo, pudessem ser realizadas, já que tal estado é
exigido por elas para sua verdadeira concretização. Isso mostra que
“o tédio de que as pessoas fogem é um mero reflexo do processo
de fuga da qual elas há muito tempo estão envolvidas. É por essa
razão, somente, que o monstruoso aparato de diversão mantém-se
vivo e se expande cada vez mais, sem que um único indivíduo extraia
dele divertimento.” (ADORNO, 1993, p. 91). Nesse sentido, Adorno
sugere que o conceito de tédio em questão não escapa da ordem
burguesa, pois para aquele que não precisa trabalhar, a falta de
ocupação tem outro sentido. Entretanto, isto não pode ser dito, pois,
“sua própria isenção de trabalho impede o elogio da preguiça: esta
seria tediosa.” (ADORNO, 1993, p. 113). Assim, impede-se àqueles
submetidos ao trabalho o tédio mesmo, que fosse ele oportuno para
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