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Experiência e vida danificada... -
Franciele Bete Petry
et al.
C
adernos
de
P
esquisa
: P
ensamento
E
ducacional
, C
uritiba
,
v
. 9,
n
. 22,
p
.109-130
maio
/
ago
. 2014.
Disponível em <
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descontínuas, separadas por pausas vazias: a campanha
da Polônia, a da Noruega, a da Rússia, a da Tunísia,
a invasão. Seu ritmo, a alternância entre a ação
intermitente e a completa calmaria por falta de inimigos
geograficamente alcançáveis, possui um pouco da
qualidade mecânica que caracteriza singularmente os
instrumentos bélicos e que também ressuscitou a forma
pré-liberal da campanha militar. Este ritmo mecânico
determina, porém, completamente a relação do homem
com a guerra, não somente na desproporção entre a
força física dos indivíduos e a energia dos motores,
mas até nas células mais escondidas das vivências
individuais. Já na guerra anterior, a inadequação do
corpo humano às batalhas entre máquinas tornava
impossível a experiência propriamente dita. Ninguém
seria capaz de narrá-las, tal como ainda era possível
fazê-lo a propósito das batalhas do general de artilharia
Bonaparte. [...] A Segunda Guerra, porém, está tão
distante da experiência quanto o funcionamento de uma
máquina dos movimentos do corpo humano, o qual só
em estados patológicos se assemelha àquele. Assim
como a guerra não contém continuidade, história, nem
um elemento “épico”, mas, de certa maneira, recomeça
em cada fase do início, assim tampouco ela deixará atrás
de si uma imagem permanente e inconscientemente
conservada na memória. Por toda parte, em cada
explosão, ela rompeu a barreira de proteção contra os
estímulos, sob a qual se forma a experiência, o intervalo
de tempo entre o esquecimento salutar e a salutar
recordação. A vida transformou-se numa sucessão
intemporal de choques, entre os quais se rasgam
lacunas, intervalos paralisados. Contudo, talvez nada
seja mais funesto para o futuro do que o fato de que
breve, literalmente, ninguémmais será capaz de pensar
nisso, pois cada trauma, cada choque não superado
daqueles que retornam da guerra, é o fermento da futura
destruição. (ADORNO, 1993, p. 46).
É interessante observar como Adorno desenvolve a analogia
entre o corpo e a máquina, citada logo no início da passagem acima.
Como bem lembra Tiburi (2004, p. 173), “para Adorno, o corpo só