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Experiência e vida danificada... -
Franciele Bete Petry
et al.
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. 22,
p
.109-130
maio
/
ago
. 2014.
Disponível em <
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cada vez mais intensos – e que demandam um treinamento específico dos
sentidos, sobretudo do olhar (VAZ, 2011) –, resultariam na intensificação do
fator de choque
(Chockmoment)
em praticamente todas as esferas da vida.
Como consequência do fato do consciente estar continuamente mobilizado
contra a profusão de choques a que o indivíduo está submetido, tem-se,
em função de uma conjecturada relação dicotômica entre consciência e
memória, que Benjamin toma de empréstimo a Freud, um empobrecimento
dessa última, que passa a armazenar cada vez menos traços mnemônicos
(ROUANET, 1990).
A experiência, ao contrário, exige tempo, não se origina
de choques ou de eventos efêmeros, mas vai se constituindo, se
formando, se acumulando nesse processo de conservação, mas
também de esquecimento, de momentos significativos aos quais,
então, ela se integra. Ela se apresenta como algo muito distinto de
uma vivência, pois esta não chega a ser guardada, ela é do imediato,
do instante mesmo em que o sujeito se relaciona com o real e que
exige de sua estrutura psíquica um modo de organizar os estímulos
que são recebidos. Já a experiência é o que resta, o que se situa
para além do tempo presente em que se vivenciou algo; o que desse
momento ficou na memória. E é nesse sentido que a experiência
é essencialmente histórica, pois acontece não só com o passar
do tempo, mas no fluxo qualitativo do tempo, em continuidades e
rupturas em que se agregam novas experiências que vão marcando
o sujeito. A experiência, entretanto, não pertence apenas a ele, pois
ao mesmo tempo em que nele está sediada, é também coletiva: pode
ser transmitida, narrada e integrada à vida de outras pessoas que
narram as suas e escutam as experiências dos outros. Não se refere
ao que um indivíduo tomado isoladamente foi capaz de vivenciar, mas
a um passado que é individual e coletivo e retomado pelo exercício
mesmo da memória:
... em nossos livros de leitura havia a parábola de um
velho que no momento da morte revela a seus filhos a
existência de um tesouro enterrado em seus vinhedos.
Os filhos cavam, mas não descobrem qualquer vestígio
do tesouro. Com a chegada do outono, as vinhas
produzem mais que qualquer outra na região. Só então
compreenderam que o pai lhes havia transmitido uma
certa experiência: a felicidade não está no ouro, mas
no trabalho. (BENJAMIN, 1985a, p. 114).