Cadernos de Pesquisa - Volume 9 - número 22 - page 127

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Experiência e vida danificada... -
Franciele Bete Petry
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. 2014.
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de imediato numa sentença condenatória.” (ADORNO, 1993, p.
119). Consequentemente, a própria virtude do altruísmo torna-se
suspeita, pois em uma sociedade em que os indivíduos não são
capazes de ajudar os outros, a máxima “tens que ajudar” converte-
se em um mandamento quase cruel. Essa sugestão aparece
também na forma de uma crítica à generosidade, sinônimo de uma
consciência larga que permite tudo porque sabe que no mundo não
é a virtude que impera, mas as ações que procuram a todo custo
ser vantajosas, mesmo que em prejuízo de outra pessoa. Afinal,
“na representação abstrata da injustiça universal desaparece toda
responsabilidade concreta.” (ADORNO, 1993, p. 18).
Tal é o sintoma da sociedade em que imperam as relações
de troca, em que tudo se converte em meio para um fim e em que
as relações afetuosas são disfarces para o sofrimento ao invés de
ser um apoio a ele, o que acaba por incentivá-lo ainda mais. A
generosidade e a atenção, por exemplo, travestem-se de justiça,
quando dela intensamente participam. Para Adorno (1993, p.19),
“a própria sociabilidade é participação na injustiça, na medida em
que finge ser este mundo morto um mundo no qual ainda podemos
conversar uns com os outros.” Além disso, diz ele, “o princípio
mau, que sempre esteve escondido na afabilidade, desenvolve-
se, no espírito igualitário, em direção à sua plena bestialidade.
Condescendência e falta de presunção são o mesmo.” (ADORNO,
1993, p. 19).
5. U
ma nota
final
As duras críticas de
Minima Moralia
indicam como a
sociedade está corrompida até em suas aparentes qualidades
naquilo que poderíamos dizer serem gestos de solidariedade com
o sofrimento que não é nosso. Entretanto, tal atitude mostra que
aceitamos essa dor como necessária e sentimos compaixão pelos
outros porque sabemos que sofremos do mesmo mal. Partilhamos,
ao ignorar isso, a dominação da qual procuramos escapar, sem
perceber que uma ajuda ao mais fraco, faz de nós senhores dele,
ainda que sejamos senhores de algo somente nesse momento.
Daí o desprezo de Adorno pelos gestos condescendentes, que ao
invés de fortalecerem o fraco, tornam-no ainda mais submisso e
a nós próprios participantes da injustiça universal. Na aparente
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