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Ética, educação e desafios contemporâneos -
Divino José da Silva
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. 9,
n
. 22,
p
.175-192
maio
/
ago
. 2014.
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crise de legitimação própria das sociedades contemporâneas, em
que a substancialidade de valores e normas se dissipou. A hipótese
aventada pelo autor é a de que o processo de racionalização das
esferas de valor produzidas pelo capitalismo avançado passou a
acontecer por meio de “uma racionalidade cínica”. Assim escreve
Safatle (2008, p. 13): “se há uma razão cínica é porque o cinismo
vê a si mesmo como uma figura da racionalidade. Para o cínico, não
é apenas racional ser cínico,
só é possível ser racional sendo cínico.
”
(grifos do autor). Essa racionalidade cínica teria se espalhado para
todas as esferas da vida social. Esse tipo de racionalidade, segundo o
autor, se sustenta num paradoxo, pois a realização de suas intenções
pode ser contrária às suas intenções iniciais. É o que acontece com
o capitalismo e sua forma hegemônica e cínica de se organizar, na
qual seus próprios enunciados e normas são fragilizados em função
de suas tendências internas. De toda maneira, o que importa aqui
é matizar essas duas figuras do cinismo – uma, identificada com as
distorções nas formas de justificar as ações, e a outra, que encontra o
cinismo instalado no cerne da própria racionalidade contemporânea,
o que certamente põe limites sérios ao exercício da própria crítica.
Daí parece decorrer um espírito de delinquência generalizado
e com ele a sensação de que podemos escapar de tudo isso, sem
que paguemos um elevado preço: a própria dissolução social. Afinal
de contas, raramente se punem as transgressões, especialmente
quando são praticadas pela elite política e econômica brasileira.
Política e delinquência, no Brasil, são separadas por um fio tênue.
Não é exagero afirmar que há em nosso país uma forte tendência
em desvalorizar e esvaziar a política, muitas vezes posta a serviço
da marginalidade e da delinquência, ocasiões em que predominam
os interesses particulares sobre a esfera pública. Nessas situações,
parece aumentar a desconfiança na política, bem como se acentua a
perda de sentido da responsabilidade social. Na realidade, o espaço
público, observa Bignotto (2009), vive hoje ameaçado por valores
que são próprios da esfera privada, os quais ganharam intensa
promoção na sociedade de consumo. Quando os atos privados
deixam de figurar como próprios à cena da vida privada e passam
a marcar forte presença no espaço comum dos homens, esses atos
se impõem como importantes para orientação da vida comum dos
homens. Se isso acontece, perde-se a referência do que realmente
tem significado para a vida em comunidade e o que ganha visibilidade