Ética, educação e desafios contemporâneos -
Divino José da Silva
178
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.175-192
maio
/
ago
. 2014.
Disponível em <
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Sloterdijk, para argumentar que vivemos em um tempo em que as
leis são desmoralizadas pela proliferação de discursos, os quais as
tratam como mera convenção, formalidade ou idealismo. Assim,
os discursos são produzidos ao gosto do “sujeito moral”, variando,
portanto, conforme as circunstâncias. É dessa perspectiva que o
Brasil é visto como o país que mais cria leis e aquele que menos as
cumpre. Debochamos das leis novas
4
, afirmando que são ou foram
criadas para não serem cumpridas. Obviamente, muitas vezes, falta
ao Estado a capacidade de fiscalizar o cumprimento das leis, mas,
por outro lado, estamos acostumados a essa cultura da burla à lei.
Isso parece não ter produzido na maioria das pessoas qualquer tipo
de indignação, pelo contrário, tem funcionado como móvel para o
discurso desmoralizante: “Ah, mais uma lei para não ser cumprida”.
Ou, então, “Para que observar as leis, se aqueles que as fazem não as
cumprem?” Na verdade, é como se assumíssemos que quem cumpre
a lei é otário. Talvez essa descrença na lei resulte da sensação de que,
no âmbito dos poderes reguladores do Estado, tudo, quase sempre,
termina em
pizza
. Isso, parece, tem nos levado a agir acreditando que
o melhor e o mais vantajoso é não cumprir a lei. Quando adotamos
essa atitude como norma, beiramos as fronteiras do suicídio coletivo,
visto que mais vale driblar as leis do segui-las. Por conseguinte,
caímos numa espécie de vale-tudo. Nesse jogo, não nos resta outra
coisa senão dar de ombros e dizer àqueles que reivindicam o respeito
às leis: “Danem-se!”
A atitude cínica se manifesta no modo como os transgressores
justificam suas ações, utilizando-se de expedientes que distorcem
as próprias leis. Nessas situações, comenta Costa (1994, p. 39),
esses indivíduos se tornam “autores ou cúmplices da imoralidade,
porque sabem o que é bom, mas manipulam as brechas do sistema
social para obter privilégios ilícitos e injustos.” Por meio desse
jogo, a imoralidade ganha uma roupagem de moralidade. Para
Safatle (2008), o cinismo presente em nossa cultura situa-se além
dos procedimentos de justificação que buscam adequar os fins a
interesses escusos não revelados, porque se refere a uma “mutação
nas estruturas de racionalidade em operação na dimensão da
práxis.” (p. 13). Essa mutação decorreria, conforme o autor, da
4 Com isso, não estamos defendendo a criação desordenada de leis, pois, segundo La Taille
(2009), o excesso de leis revela os limites do bom senso moral de uma sociedade. Mais leis,
nesse caso, não significariam mais moralidade.