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Do conceito de formação humana... -
Lúcia Schneider Hardt
et al.
C
adernos
de
P
esquisa
: P
ensamento
E
ducacional
, C
uritiba
,
v
. 9,
n
. 22,
p
.155-174
maio
/
ago
. 2014.
Disponível em <
>
Tomando o próprio método de Nietzsche – a genealogia
– cabe verificar como os valores e quais valores tomam espaço
em nossa prática produzindo declínio ou crescimento. Quando
tomamos nossa primeira natureza com o intuito de desprezá-la,
pois é nociva, rústica, tosca, está em questão convertê-la, sofisticá-
la, envernizá-la. Optamos, então, por valores que descrevem o
bom e o ruim. Em geral, absolutizamos esse olhar e, por fim, nada
resta a esta primeira natureza que mereça nosso cuidado. De tudo
precisamos nos livrar para outras peles assumir. Decretamos o
declínio daquele que nasceu. Mutilamos a primeira natureza.
Maturidade, emancipação, inserção social são termos de uma
educação eficiente em dar aos humanos sua segunda natureza.
A primeira teria atingido a maturidade se não tivesse sido morta
antes disso. “Só as serpentes percebem isso”, e, em grande parte,
o que se vê é atrofia do brilho dos inícios. Formação, nesses
termos, implica estar disposto a realizar uma genealogia dos
valores, solapar a confiança que temos na moral para descobrir
e criar outros valores capazes de fazer acontecer outra vida. Não
se trata de tudo destruir para criar o lugar vazio mas, antes,
compreender os deslocamentos dados como legítimos, decifrá-
los em sua utilidade e limite, configurados para nos fazer iguais,
para desse ponto afirmar a diferença. Diferença que nasce da
medida das vidas singulares que nos rondam e nos encantam
enquanto o martelo do filósofo insiste em pensar. Formação como
interpretação, formação como tempero de uma vida que ganha
materialidade pelo pensamento que convoca a vida para estar
no mundo a seu modo, formação como silêncio e vagar, já que a
pressa quer nos fazer úteis e o excesso de comunicação nos fazer
militantes. Lentidão e silêncio, ingredientes da formação.
Formação para não perecer, para alternar formas por toda
a vida, escolher máscaras para viver e proteger-se, jogar com
as tensões para nunca esquecer da nossa primeira natureza.
Formação para amansar nossos instintos, contudo descobrir
beleza neles, reconhecer o tanto de sacrifício necessário para dar
lugar ao bom gosto que é oriundo de uma vida em abundância,
extravagante, capaz de gastar os instintos e desejos com toda
intensidade para afirmar a vida. Nietzsche, em sua defesa de
uma
Bildung
, não hesita em afirmar que deve algo aos antigos e
sua cultura: