Cadernos de Pesquisa - Volume 9 - número 22 - page 164

Do conceito de formação humana... -
Lúcia Schneider Hardt
et al.
164
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v
. 9,
n
. 22,
p
.155-174
maio
/
ago
. 2014.
Disponível em <
>
De fato, tanto o termo
natureza
quanto as ideias de
cultura
e
educação
, a depender do sentido que adquirem ao serem utilizados
– e nem sempre tornado claro pelo autor – são carregados da
ambivalência característica da escrita ensaística de Rousseau: ora
se excluem, ora se fundem.
Relativamente ao primeiro termo, Pierre Burgelin sugere que
a voz da natureza, em Rousseau, é, ao mesmo tempo, composta de
trevas e de luzes; é poder, convite, germe e floração; vai das funções
psicológicas à consciência moral, inclui e exclui a sociabilidade, o
capricho sexual e o amor conjugal. A voz da natureza exclui ciência
e reflexão, mas apela à razão, designa a campanha verdejante e
seu autor, liga-se à bondade e torna-se estranhamente enigmática
(1969, p. 69).
Quanto aos outros dois termos, observa-se, no texto
rousseauniano, dois sentidos principais. Primeiramente, a educação
como assunção da própria natureza – nesse caso, desdobrada numa
rica e ordenada paisagem interior, numa espécie de conteúdo da
própria consciência, fruto de uma arte que não aparece, princípio
fundante do que Rousseau chamou de “educação negativa”. A
educação negativa deve ser entendida como princípio e não como
uma prescrição pedagógica a ser aplicada ao pé da letra, cujo valor
heurístico é o de condenar todo e qualquer tipo de doutrinação e de
apontar para a criação de artifícios que favoreçam uma espécie de
faseologia maturacional ritmada pelo estado natural compreendido,
como querem Abbagnano e Visalberghi:
Imaginar o estado de natureza ou imaginar a solitária
formação de Emílio não são negações da sociabilidade
ou socialização, mas experimentos mentais necessários
para darmo-nos conta dos requisitos que também a
socialização deverá satisfazer para enriquecer em vez
de limitar a espontaneidade originária do homem.
(1987, p. 391)
É preciso preparar e fortalecer o corpo e as faculdades humanas
como condição para enlaces significativos ou plenos de sentido com
a cultura e com a sociedade. Todavia, tais artifícios não deverão
aparecer, orientação rousseauniana de validade metodológica para
abstrair as possibilidades da natureza humana em circunstâncias
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