Cadernos de Pesquisa - Volume 9 - número 22 - page 167

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Do conceito de formação humana... -
Lúcia Schneider Hardt
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.155-174
maio
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ago
. 2014.
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constitutivo, pois tudo pode ser avaliado/interpretado. Nesses
termos, a natureza revestida pela cultura deve inibir o que insiste
em mostrar-se nu, aparentemente sem valor, mas com intensidade
de vida. Não está em questão fazer de Nietzsche um apologista da
natureza, desprovida de qualquer função, em parte perversa, sempre
impactante, incapaz de desdobrar-se em cultura. O mais importante
– entender a tensão – a ponto de levar essa curiosidade às últimas
consequências. Entender, se possível, por que nos escandalizamos
com o que fica explícito por nossa própria natureza, uma vez que
as paixões, os instintos sempre têm algo de funesto, desprovido de
razão e controle. Se a natureza tem um tanto de estupidez, seria
necessário aniquilá-la? Isso seria cultura? Para Nietzsche, estupidez
mesmo seria aniquilar os desejos e as paixões para moralizá-los
e convertê-los em condutas e atitudes universais. A moral é uma
espécie de antinatureza, o que é duro afirmar quando o que temos
em nosso horizonte é a formação humana como um projeto de
emancipação moral. Nesse ponto, lidar com Nietzsche significa
pensar com ele e até contra ele para indagar-se? O que seria
espiritualizar, estetizar um desejo sem sucumbi-lo? Aprendemos
excessivamente a domesticar nossa natureza e ficamos avessos a
Nietzsche quando não cansa de nos lembrar da força e da potência
dela, seu vigor sem travas e constrangimentos. Apreciamos ler
sobre a natureza, contudo sua efetividade inquieta e perturba
quando queremos praticá-la, sempre que a reconhecemos também
como vontade de força, afirmação de orgulho, desejo de exclusão,
vontade de domínio, ânsia de vingança. Diante dessa imensidão do
inevitável, parece adequado dirigir-se aos apelos da cultura, uma
espécie de cultura medicamentosa que deseja curar a natureza de
seus excessos.
Por vezes, ao perceber que esse outro rumo produz erradicação,
mutilação dos desejos e instintos, escolhemos, de novo, a tensão.
Não queremos aniquilar nossa natureza e, por isso, retomamos a
luta que expõe forças para disputar lugares – não para produzir
formas e ajustes, mas medidas no sentido grego, fazer proliferar a
diferença. Diferença que se faz cultura e acontece em função de
processos formativos. Como diz Nietzsche, “somos fecundos apenas
ao preço de sermos ricos em antagonismos; permanecemos jovens
apenas sob a condição de que a alma não relaxe, não busque a
paz...” (2006, p.35). Temos vícios, desejos, instintos, preguiça,
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